Gerhard Overbeck, do Centro de Conhecimento em Biodiversidade, é responsável por estudo que ressalta a dependência do agronegócio da biodiversidade
Reportagem original de Lucas Weber para o Brasil de Fato
Os eventos climáticos que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos anos, entre secas prolongadas e chuvas intensas, evidenciam o grande desafio que o mundo terá que encarar para seguir produzindo alimentos. A afirmação é resultado de um estudo que reuniu mais de 100 pesquisadores ao longo de três anos.
O trabalho é uma realização da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), que escancara como o agronegócio, envolvendo agricultura, pecuária e silvicultura, depende da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Ao mesmo tempo, esses setores vêm sendo responsáveis por acelerar a destruição dos recursos naturais do país.
"Se a gente olhar os estudos que estão sendo feitos, fica muito evidente que se a gente seguir assim, realmente, a agricultura se tornará inviável no futuro em muitas regiões", comenta Gerhard Overbeck, coordenador da publicação, em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (6).
"As mudanças climáticas estão acontecendo num passo mais rápido do que esperado e isso por si só já vai inviabilizar a manutenção de muitas culturas", comenta o professor que atua na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) há 13 anos como orientador nos Programas de Pós-graduação em Botânica e em Ecologia.
Segundo o especialista, o documento visa influenciar gestores e lideranças das esferas pública e privada na tomada de decisões com foco na sustentabilidade e no equilíbrio da tríade agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
O relatório traz dados importantes para refletir sobre o que está em jogo, por exemplo, o fato do Brasil abrigar 20% das espécies do planeta, o que coloca o país no "ranking das nações megadiversas e detentor de um vasto e rico território". Ao mesmo tempo, nosso país também é considerado 'celeiro do mundo', por ser um dos maiores produtores e exportadores de produtos agropecuários, como grãos, carnes, frutas e fibras.
"O novo normal é um normal de eventos climáticos extremos, causados pelas mudanças climáticas."
Para Overbeck, o Brasil deveria conciliar as agendas da agricultura, da biodiversidade e da proteção dos serviços ecossistêmicos para superar a dicotomia entre ser um dos maiores produtores de alimento do mundo e, ao mesmo tempo, campeão na exportação de commodities.
"No fundo, a gente precisa manter a biodiversidade e os recursos naturais para manter a agricultura."
Agricultura diversificada é mais resiliente
Segundo o especialista, o cenário que se avizinha para o Brasil e o mundo não é favorável, por conta das mudanças climáticas, e a agricultura é a primeira a ser afetada. "Um evento de seca inviabiliza a produção de certas culturas. Um momento de chuva muito forte também inviabiliza safra de outras culturas", afirma.
"O novo normal é um normal de eventos climáticos extremos, causados pelas mudanças climáticas. Então, a gente precisa, falando mais da agricultura, adaptar os nossos sistemas para ser mais resiliente a isso", diz. "Um caminho para fazer isso é uma agricultura mais diversificado em várias escalas."
A notícia boa é que o Brasil já tem todas as respostas necessária, mas precisa acreditar e apoiá-las.
"Sistemas de manejo integrados, sistemas de agroflorestas, que misturam espécies, soluções baseadas na natureza, que a gente tenha um sistema mais diverso, mais próximo a um sistema natural", cita, como exemplos, o professor, se referindo a práticas agroecológicas adotadas pela agricultura familiar e comunidades tradicionais.
"A gente tem muitas soluções, mas eu acho que é importante começar a ver como melhorar ainda essas condições de trabalho para os produtores. Mercados institucionais, por exemplo, comprar produtos da agroecologia para a merenda escolar, programas... Tem uma série de soluções aí que são bem fáceis."
Confira a entrevista na íntegra com o pesquisador:
Existe uma relação paradoxal entre o Brasil ser um dos maiores produtores de alimento do mundo e, ao mesmo tempo, ser campeão na exportação de minério e commodities?
GO: O ponto de partida é exatamente esse, mostrar como é necessário e também viável, sair dessa dicotomia. Entender que nós não temos aí dois pontos antagônicos que precisam necessariamente estar em conflito um com outro.
Mas justamente mostrar os caminhos para conciliar as agendas da agricultura, da biodiversidade e da proteção dos serviços ecossistêmicos. No fundo, a gente precisa manter a biodiversidade e os recursos naturais para manter a agricultura.
Vocês mostram no relatório como uma causa dos problemas da agricultura é a própria prática de agricultura adotada por alguns setores, certo?
GO: Sim, certamente é um problema que muitas vezes quem está atuando olha de forma muito imediatista a situação buscando ver o que é viável, o que economicamente é interessante neste ano, nos próximos poucos anos.
Mas não vai muito além disso no olhar, então falta muitas vezes essa reflexão crítica e também a reflexão sobre as consequências dessas ações do manejo da terra no funcionamento do sistema.
É muito difícil generalizar porque o Brasil é um país imenso, quase continental, com uma série de ecossistemas diferentes, culturas muito diferentes, sistemas produtivos diversos, então até é difícil em generalizar.
Mas se a gente olhar esses estudos que estão sendo feitos, cenários para o futuro, fica muito evidente que se a gente seguir assim, realmente, a agricultura vai ficar inviável no futuro em muitas regiões
As mudanças climáticas estão acontecendo num passo mais rápido do que esperado e isso por si só já vai inviabilizar a manutenção de muitas culturas. Ou seja, se a gente quer manter uma produtividade agrícola no país, a gente precisa urgentemente começar a ter uma política bastante séria de enfrentamento das mudanças climáticas e também de adaptações nos sistemas de cultivos.
E aí a gente tem que entender que a preservação de recursos naturais sempre é um aliado. A gente chama isso de soluções baseadas na natureza. Então, na verdade, muitas vezes imitar processos naturais de manter a água no sistema, de manter a habitat para animais, insetos que polinizam as culturas...
Que outros exemplos de respostas da natureza precisamos adotar?
GO: Talvez um exemplo muito simples é a preservação dos banhados. Pra que serve um banhado? Muitas vezes, ele pode ser visto como um problema, uma área úmida que é mais complicada de se produzir. Mas o banhado é um ambiente que mantém água na paisagem. Então vai sair dali água em períodos mais secos para outras partes da paisagem no entorno.
No momento em que eu não mantenho essa esponja no sistema, vou ter uma capacidade menor de reter a água.
Outro exemplo seriam as matas ciliares que protegem as margens dos rios, inclusive protegem as áreas de uso agrícola mais intensivo no lado do rio de possíveis enchentes. A gente viu agora nas enchentes no Rio Grande do Sul danos muito grandes no solo, muita erosão de solo, e solo se desenvolve muito devagar, então vai demorar muito tempo para recuperar o que foi perdido
Você acompanhou de perto as enchentes no Rio Grande do Sul. Tanto deste ano, como do ano passado. Você interpreta como uma coincidência de fatores?
GO: O novo normal é esse. O novo normal é um normal de eventos climáticos extremos, causados pelas mudanças climáticas. Então, a gente precisa, falando mais da agricultura, adaptar os nossos sistemas para ser mais resiliente a isso.
A gente teve agora essa situação das enchentes, das inundações. Mas, também, no passado muito recente, aconteceram eventos de seca extrema.
Vão ter extremos de todos os tipos e teve muitos outros exemplos já desse tipo de catástrofe em outras partes do Brasil nos últimos anos.
Então, a gente precisa tomar isso mais sério. Mudança climática não é algo que vai acontecer lá no futuro, é algo que vai nos impactar diretamente e vai impactar a agricultura.
A agricultura, na verdade, é o primeiro a ser afetado. Um evento de seca inviabiliza a produção de certas culturas. Um momento de chuva muito forte inviabiliza também a safra de certas culturas.
A própria agricultura tem que se tornar mais resiliente e um caminho para fazer isso é uma agricultura mais diversificado em várias escalas.
Não tem mais como ter áreas imensas só como uma cultura, porque isso aumenta a vulnerabilidade. Se essa cultura vai ter uma dificuldade, devido a algum evento extremo neste ano, pode perder tudo.
Agora, no momento em que tem mais diversificação, melhorando os sistemas, eu tenho uma chance melhor também que algumas culturas sobreviverem. Temos vários exemplos para isso: sistemas de manejo integrados, sistemas de agroflorestas, que misturam espécies, isso é uma dessas soluções baseadas na natureza para que a gente tenha um sistema mais diverso, mais próximo a um sistema natural.
Então o Brasil já tem as respostas para uma agricultura sustentável?
GO: Temos muitas soluções, mas eu acho que é importante começar a ver como melhorar ainda essas condições de trabalho para os produtores.
Mercados institucionais, por exemplo, comprar produtos da agroecologia, para a merenda escolar, programas... Eu acho que tem uma série de soluções que aí são bem fáceis.
Mas exige uma organização, uma governança, né? Todas as respostas o Brasil já tem, mas falta colocá-las em prática.
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