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Raíra Saloméa

O impacto das novas leis de pesca no Pantanal

Atualizado: 18 de set.

Ameaça aos pescadores artesanais e à sustentabilidade


Pescador artesanal profissional da Comunidade Tradicional da Barra do São Lourenço, Corumbá, MS. Foto: Jean Fernandes

Uma nova lei aprovada no Pantanal, em 2024, está causando grande preocupação entre os pescadores artesanais da região. A legislação, que proíbe a captura, transporte e venda de cinco espécies de peixes migratórios por cinco anos afeta diretamente a subsistência de milhares de famílias que dependem da pesca artesanal para sobreviver.


Essas espécies de peixes são essenciais para a economia local, representando 44% da pesca comercial no Pantanal. A proibição, além de reduzir drasticamente a renda dos pescadores, não foi discutida com as comunidades locais, contrariando diretrizes internacionais que garantem a participação dos pescadores em decisões que impactam suas vidas.


O  impacto socioeconômico da degradação ambiental e das políticas de manejo na vida de milhares de pescadores que dependem das águas do Pantanal para sobreviver é abordado no artigo "The economic displacement of thousands of fishers in the Pantanal, Brazil: A telling story of small-scale fisheries marginalization worldwide", publicado na revista Fish and Fisheries em setembro, com autoria de pesquisadores do Centro de Conhecimento em Biodiversidade. 


A falsa narrativa da sobrepesca


O governo justifica a nova legislação alegando que os estoques pesqueiros estão sob ameaça. No entanto, pesquisadores destacam que não há evidências científicas que comprovem uma situação de sobrepesca no Pantanal. As análises mais recentes, que cobrem o período de 2004 a 2016, indicam estabilidade da captura pelos pescadores, demonstrando que a pesca artesanal não está colocando as populações em risco.


Apesar disso, uma narrativa de sobrepesca foi amplamente difundida, o que, segundo especialistas, serve como pretexto para abrir espaço a grandes projetos de infraestrutura, como a construção de mais de 50 pequenas hidrelétricas no Pantanal. Essas usinas, juntamente com outros empreendimentos, como a expansão de hidrovias, trazem impactos diretos aos peixes e pescadores, alterando o delicado equilíbrio ambiental da região.

Pesquisadores contestam nova legislação e apontam interesse de empresas na construção de hidrelétricas: "Não há sobrepesca no Pantanal". Foto: Jean Fernandes

A pesca no Pantanal e sua importância cultural


A pesca faz parte da história e da cultura do Pantanal há mais de 5 mil anos, sendo uma atividade fundamental para as comunidades indígenas e ribeirinhas. Hoje, mais de 8 mil pescadores estão registrados no Pantanal, capturando aproximadamente 5 mil toneladas de peixe anualmente. Para essas comunidades, a pesca não é apenas uma atividade econômica, mas uma forma de vida que está profundamente enraizada em suas tradições.


Segundo os pesquisadores, a proibição imposta pela nova lei desconsidera esse vínculo cultural, marginalizando ainda mais os pescadores artesanais. O impacto é imenso, pois muitos deles dependem dessa atividade para sustentar suas famílias, especialmente durante o período de defeso, quando recebem um benefício do governo para compensar a interrupção da pesca.


Ameaças reais ao Pantanal


Embora a sobrepesca não seja uma ameaça comprovada, o Pantanal enfrenta diversos desafios ambientais que colocam em risco sua biodiversidade. A construção de barragens, a presença de espécies invasoras, a poluição e as mudanças climáticas estão entre os principais fatores que afetam a sustentabilidade dos estoques de peixes.


Barragens e hidrelétricas alteram o fluxo dos rios, dificultando a migração dos peixes para desova. As espécies invasoras, como o tucunaré e o tambaqui, competem com os peixes nativos, ameaçando a biodiversidade local. Além disso, eventos climáticos extremos, como secas e incêndios florestais, têm se tornado mais frequentes, agravando ainda mais a situação.


Pescadores artesanais têm papel ativo na conservação e podem auxiliar com o conhecimento tradicional onde faltam dados sobre a pesca. Fonte: Natureza em Foco/José Sabino

O futuro dos pescadores artesanais


Especialistas sugerem que, para garantir um futuro sustentável para o Pantanal, é necessário reverter a nova legislação e promover políticas que valorizem a pesca artesanal. “Em vez de marginalizar os pescadores, é essencial implementar programas que celebrem e apoiem a pesca local, protegendo esses trabalhadores das pressões econômicas e físicas que enfrentam.”, afirma André Valle Nunes, um dos autores e pesquisador do Centro.


Programas de ciência cidadã e a ampliação dos direitos de posse para os pescadores são algumas das soluções propostas pelos cientistas para garantir que essas comunidades possam continuar desempenhando seu papel na preservação do Pantanal e de seus recursos naturais.


"É crucial que os pescadores participem ativamente das tomadas de decisões para que os objetivos do modelo de gestão formalmente acordado sejam alcançados. Os pescadores artesanais desempenham um papel ativo na conservação e possuem um conhecimento ecológico tradicional valioso, que pode ser utilizado para identificar tendências gerais em áreas onde não há dados de pesca disponíveis.", afirma a pesquisadora Adriana Espinoza, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA) do ICMBio primeira autora do artigo.

“Em um momento em que o mundo discute soluções para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas, o Pantanal oferece um exemplo claro de que proteger os pescadores artesanais é essencial para garantir o futuro das águas e da biodiversidade que dependem delas.”, conclui Nunes. 


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