Pesquisa revela que apenas 2% das espécies de árvores tropicais compõem metade das florestas tropicais.
Em meio à exuberante diversidade das florestas tropicais, um pequeno grupo de espécies domina. Uma pesquisa internacional mostrou que apenas 2,24% das espécies de árvores tropicais representam metade de todas as árvores das florestas tropicais em três continentes. Esses dados, fruto de uma análise abrangente, destacam a importância dessas espécies hiperdominantes na estrutura e funcionamento das florestas tropicais.
O estudo, publicado na Nature, analisou mais de um milhão de árvores em diferentes regiões da Amazônia, África e Sudeste Asiático, utilizando dados de inventários florestais realizados em 1.568 locais diferentes. Os resultados mostraram que na Amazônia apenas 299 espécies compõem 50% das 344 bilhões de árvores, um padrão semelhante ao observado na África e no Sudeste Asiático.
Entre as árvores amazônicas mais comuns estão o matamatá (Eschweilera coriacea), que pode alcançar até 35 metros de altura e são capazes de resistir a condições adversas; duas espécies de açaí (Euterpe oleracea e E. precatoria), amplamente explorados pra extração do palmito e do fruto; e o parapará (Jacaranda copaia), única espécie de jacarandá amplamente distribuída na Amazônia.
Essas espécies são consideradas "hiperdominantes" por representarem uma porção significativa das árvores em suas respectivas regiões. Elas têm características que as tornam especialmente adaptadas ao ambiente tropical.
"Esse estudo nos permite entender melhor o papel crucial dessas espécies na dinâmica das florestas. As espécies dominantes fornecem recursos fundamentais para a sobrevivência de outras plantas, fungos e animais," explica Domingos Rodrigues, um dos autores do estudo e coordenador do projeto Panoramas da Biodiversidade, do Centro de Conhecimento em Biodiversidade,
Além de sua importância ecológica, as árvores hiperdominantes desempenham um papel crucial no armazenamento de carbono, uma função essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Uma única árvore na Amazônia pode estocar 58 toneladas de CO2 equivalente
"Essa é uma informação essencial para os cálculos de emissão e captura dos gases de efeito estufa. Entender como essas espécies contribuem para o sequestro de carbono nos ajuda a desenvolver estratégias mais eficazes de combate às mudanças climáticas.”, explica Rodrigues.
Matamatá (Eschweilera coriacea), parapará (Jacaranda copaia) e a espécie de açaí Euterpe precatoria são algumas das espécies hipedominantes nas florestas tropicais amazônicas. Fotos de (na ordem): Alex Popovkin, Adobe Stock e Rainer W Bussmann/ResearchGate.
Impacto da pesquisa para a gestão florestal
Essas descobertas têm implicações significativas para a gestão e conservação das florestas tropicais. Compreender a dinâmica das espécies hiperdominantes pode ajudar a desenvolver modelos florestais mais precisos, essenciais para prever o comportamento das florestas diante de mudanças climáticas, desmatamento e outras pressões ambientais.
"Os resultados sugerem que o impacto humano nas florestas tropicais pode ser menor do que imaginávamos, já que os padrões de diversidade e a proporção de espécies comuns se mantiveram consistentes entre as regiões analisadas. Isso indica que existem mecanismos biológicos, ainda não totalmente compreendidos, que influenciam a composição dessas comunidades arbóreas," acrescenta Rodrigues.
Ele ressalta que os dados coletados por sua equipe em 35 parcelas na Amazônia Mato-Grossense são fundamentais para entender como as florestas tropicais respondem a fatores como mudanças climáticas e desmatamento.
As redes colaborativas de inventários florestais, como as que já existem na Amazônia, são cruciais para a obtenção desses dados e para a elaboração de políticas públicas que garantam a preservação desses ecossistemas vitais. O estudo aponta que, apesar de ser fundamental proteger as espécies raras, focar nas espécies mais comuns pode proporcionar avanços rápidos e significativos no entendimento das florestas tropicais.
A pesquisa, que contou com a colaboração de 356 autores, aponta para a possibilidade de focar em espécies comuns para acelerar o conhecimento sobre a ecologia das florestas tropicais. Entretanto, Rodrigues ressalta que isso não diminui a importância de proteger as espécies raras, que também desempenham papéis ecológicos vitais.
Próximos passos e desafios
Apesar das importantes descobertas, os pesquisadores reconhecem que ainda há muito a ser explorado. O estudo não incluiu outras florestas tropicais, como a Mata Atlântica, a floresta de Chocó, na América do Sul, além de dados da América Central, Nova Guiné e Micronésia, não disponíveis durante a execução do estudo. Futuras pesquisas deverão ampliar essa base de dados para uma estimativa global ainda mais robusta.
“Ainda não sabemos ao certo quais mecanismos biológicos são responsáveis pela hiperdominância de certas espécies em diferentes continentes, mas essa pesquisa é um passo importante para desvendar esses processos”, conclui Rodrigues.
O resultado destaca a importância dessas espécies para a estrutura e função das florestas e reforçam a necessidade de continuar investindo em pesquisas de longo prazo e em redes colaborativas de inventários florestais, como as que já existem na Amazônia, para garantir uma gestão mais eficaz e sustentável das florestas tropicais.
Acesse o artigo na íntegra: https://www.nature.com/articles/s41586-023-06820-z
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