Publicado originalmente no portal inglês Carbon Pulse em 27 de fevereiro de 2024 por Giada Ferraglioni.
Proteger 30% das áreas de grandes proprietários de terras no Cerrado brasileiro poderia evitar 13% da perda de biodiversidade esperada até 2070. É o que concluiu um estudo liderado por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e publicado na revista Scientific Reports este mês.
A análise revelou que o Cerrado poderá perder 26,5 milhões de hectares de vegetação nativa até 2050 e 30,6 milhões de hectares até 2070 devido a leis ineficientes de proteção ambiental em terras privadas.
“Nossos resultados mostram evidências de que apenas a aplicação da Lei de Proteção à Vegetação Nativa Brasileira, ou Novo Código Florestal, não é suficiente para a conservação do Cerrado, pois grandes áreas, especialmente dentro de grandes propriedades, podem ser desmatadas sob a proteção da lei”, disseram os pesquisadores.
O Novo Código Florestal foi aprovado em 2012 para atualizar a lei de 1965. Ele regulamenta a exploração, conservação e recuperação da vegetação nativa do país. No entanto, foi acusado de perdoar o desmatamento ilegal antes de 2008 e de expandir a quantidade de terras privadas que podem ser desmatadas.
“[Na lei] há retrocessos significativos que devem ser considerados, como a legalização de antigos desmatamentos ilegais em Áreas de Proteção Permanente e a possibilidade de compensar déficits de Reservas Legais em outras áreas cobertas por vegetação nativa”, disse a análise.
O estudo estima que 40% da vegetação nativa do Cerrado pode ser legalmente convertida para agricultura e pecuária no âmbito do Novo Código. “Essa conversão massiva do uso da terra pode resultar na extinção de cerca de 1.140 espécies endêmicas até 2050, e talvez em vários pontos de inflexão, algo não avaliado até agora para este bioma extraordinário e fundamental para a segurança alimentar mundial e a regulação climática”, afirma o estudo.
“No sentido de conciliar conservação e produção agrícola, recomendamos que as políticas públicas foquem prioritariamente nas grandes propriedades, como proteger 30% da área de propriedades maiores que 2.500 hectares, o que evitaria uma perda de mais de 4,1 milhões de hectares de vegetação nativa, correspondendo a 13% da perda prevista até 2070.”
O estudo também sugere a utilização de mecanismos econômicos e orientados para o mercado, como o de créditos de carbono, e estender para além da Amazônia o alcance da Moratória da Soja, acordo que visa evitar a aquisição de soja proveniente de áreas desmatadas após 2008.
O Cerrado, também conhecido como Savana Brasileira, cobre uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro – cerca de 24% da área total – e foi classificado como um dos 36 hotspots globais de biodiversidade. Apesar da importância, o estudo destacou que cerca de 90% do Cerrado é propriedade privada.
As áreas formalmente protegidas são de aproximadamente 8,3%, em comparação com 28% na Amazônia. “O Cerrado é o bioma brasileiro com maior déficit de Reserva Legal (percentual mínimo de vegetação nativa exigido nas propriedades privadas) e possui cerca de 4,2 milhões de hectares de vegetação nativa que precisa ser recuperada”, mostrou o estudo.
A perda de biodiversidade deverá ocorrer principalmente em grandes propriedades, com perdas mais significativas esperadas em Minas Gerais (22%), Tocantins (18%), Goiás (14,6%), Mato Grosso (10,6%) e Maranhão (10,4%) nos próximos 46 anos.
“Nos últimos 50 anos, o Brasil deixou de ser um importador de alimentos para emergir como um dos principais players globais na produção de alimentos e energia renovável. Agora o país enfrenta um grande desafio para continuar expandindo as áreas agrícolas do Cerrado para a produção de alimentos e ao mesmo tempo conservar as áreas de vegetação nativa.”, afirmou Paulo Tarso S. Oliveira, um dos autores do estudo.
A expansão das terras agrícolas brasileiras ocorreu principalmente no Cerrado, onde o desmatamento atingiu níveis recordes em 2023, um aumento de 43% em relação a 2022.
De acordo com uma investigação realizada pela Global Witness, a produção de carne bovina alimentou o desmatamento ilegal de terras, com uma área maior que Chicago desmatada entre 2008 e 2019 por fazendas que abastecem os três maiores frigoríficos do Brasil.
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