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A urgente proatividade na gestão hídrica

A governança hídrica enfrenta desafios globais comuns, como o uso excessivo de recursos naturais, a falta de diálogo entre os diversos atores sociais, os interesses conflitantes entre as partes envolvidas e a dificuldade de integrar diferentes perspectivas culturais


Texto original publicado em ((o))eco


Bacia do rio São Francisco
Rio São Francisco: ao longo de 645mil km², o Velho Chico atravessa cinco estados e três biomas brasileiros.

A situação da bacia do Rio Colorado, no oeste americano, reflete as complexidades da governança hídrica em um cenário de crescentes mudanças do clima  agravado pela alta demanda pela água. Através da experiência norte-americana, podemos traçar paralelos importantes com os rios no Brasil e em outras partes do mundo, destacando a necessidade urgente de proatividade, mitigação e adaptação às novas realidades ambientais.


A governança hídrica enfrenta desafios globais comuns, como o uso excessivo de recursos naturais, a falta de diálogo entre os diversos atores sociais, os interesses conflitantes entre as partes envolvidas e a dificuldade de integrar diferentes perspectivas culturais. Essa integração é essencial, especialmente para assegurar os direitos das comunidades tradicionais e Indígenas, promovendo sua participação na gestão sustentável e na conservação dos recursos hídricos.


Rico em recursos hídricos, o território brasileiro enfrenta desafios em suas bacias hidrográficas semelhantes aos enfrentados pelo rio Colorado, como a sobreexploração da água, a escassez em períodos críticos, a poluição e a degradação ambiental. Para enfrentar esses problemas, torna-se indispensável a adoção de estratégias de gestão sustentável e integrada, capazes de equilibrar as demandas sociais, econômicas e ambientais, garantindo a preservação dos ecossistemas.


O Rio São Francisco, por exemplo, que é vital para o semiárido nordestino, já sofre com a falta de água devido à seca prolongada, exacerbada pelas mudanças climáticas e a pressão da demanda crescente por água para agricultura, consumo urbano e uso industrial. Essa situação evidencia a importância de uma gestão baseada na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), que estabelece diretrizes para o uso sustentável da água no Brasil, mas que muitas vezes encontra dificuldades em sua implementação frente às novas realidades climáticas. Políticas antigas, que não consideram os impactos das mudanças climáticas, têm falhado em garantir uma gestão eficiente e justa dos recursos hídricos, tanto no Brasil quanto no oeste americano.

Rio Colorado, Arizona, Estados Unidos.

No Rio Colorado, por exemplo, revisões estão sendo realizadas no contexto do Colorado River Compact (1922) para melhorar a alocação de água entre os estados e garantir maior sustentabilidade. Esse exemplo reforça a necessidade de revisar e atualizar as políticas brasileiras, especialmente no que se refere à inclusão das comunidades locais, Indígenas e ribeirinhas, que possuem saberes fundamentais para a preservação dos recursos e para a recuperação de áreas degradadas pelo seu uso excessivo.


Essas comunidades são guardiãs de práticas e conhecimentos tradicionais, os quais devem ser incorporados de forma participativa na gestão dos recursos, alinhando as disposições legais, como o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973) e a Constituição Federal de 1988, que assegura os direitos territoriais e culturais das comunidades Indígenas, com estratégias voltadas à sustentabilidade hídrica. Esse enfoque participativo é necessário para promover justiça socioambiental e bicultural, assegurando o uso responsável e equitativo da água no longo prazo.


A situação do Rio Doce, em Minas Gerais e Espírito Santo, afetado pelo desastre do rompimento da barragem da Samarco, exemplifica os impactos devastadores que a má gestão ambiental pode causar aos recursos hídricos e às comunidades que dependem deles e por isso é fundamental a proatividade.


Região do Parque Estadual do Rio Doce. Foto: Paulo Quadros

A recuperação do Rio Doce tem se mostrado um desafio complexo, exigindo esforços integrados de governos, empresas, organizações da sociedade civil e comunidades locais. Quase dez anos depois do crime ambiental, a tentativa de mitigar os impactos continua enfrentando críticas pela lentidão e pela falta de participação efetiva das comunidades atingidas.



Essa tragédia destaca a importância de políticas públicas rigorosas, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê punições para responsáveis por danos ao meio ambiente, e a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/2010), que busca prevenir desastres semelhantes por meio do monitoramento e da fiscalização de estruturas. No entanto, a implementação dessas leis ainda carece de maior eficiência e transparência.


A situação do Rio Doce também reflete a necessidade de promover uma governança hídrica mais inclusiva, que incorpore saberes tradicionais das comunidades locais e assegure a conservação dos recursos naturais a longo prazo. A integração dessas perspectivas é fundamental não apenas para restaurar o equilíbrio ambiental, mas também para fortalecer a resiliência social e econômica das populações afetadas, conectando ações de reparação imediata a estratégias de prevenção e sustentabilidade futuras.


Em relação à governança global dos rios, é evidente que a abordagem tradicional de alocação de recursos baseada em suposições de abundância de água já não é mais viável. O cenário de seca, que antes parecia confinado a regiões semiáridas, agora atinge até a Amazônia, desafiando a crença de sua inexauribilidade. As políticas precisam evoluir para considerar não apenas a distribuição justa da água, mas também a conservação, o uso eficiente e o fortalecimento da resiliência dos sistemas hídricos.


Na bacia do Rio Colorado, a revisão das diretrizes de alocação de água pós-2026 destaca a relevância de uma abordagem integrada. Essa adaptação e diálogos simétricos entre os atores é necessária para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e promover a justiça hídrica.


Cânions do Rio São Francisco, Sergipe, Brasil. Foto: orbitaexpedicoes

De igual forma, os rios brasileiros, como o São Francisco, Doce e Amazonas demandam uma abordagem mais inclusiva, colaborativa e adaptativa, que incorpore estratégias de mitigação e adaptação às mudanças do clima. Isso envolve não apenas reduzir o consumo de água, mas também promover a conservação dos recursos, educação ambiental, aumentar a colaboração regional em estratégias de resiliência climática e fortalecer a participação das comunidades Indígenas e locais, reconhecendo seus conhecimentos tradicionais.


Sem uma vontade política sustentável, a governança fragmentada e as ações unilaterais podem agravar ainda mais os conflitos entre os diferentes atores e prejudicar a eficiência da gestão hídrica. Nos rios transfronteiriços, como no caso do Amazonas e do Rio Paraná, essa questão é ainda mais crítica, exigindo acordos multilaterais para prevenir crises.


O caso do Rio Colorado serve como um exemplo significativo para outros rios, incluindo os brasileiros, ao evidenciar a importância de revisar políticas de gestão hídrica. Ele destaca a necessidade de incorporar medidas eficazes de adaptação e mitigação, especialmente diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Assim, os esforços de renegociação das diretrizes de governança hídrica em nível nacional e global representam uma oportunidade estratégica para estabelecer modelos adaptativos e equitativos, essenciais para aumentar a resiliência ecológica e socioambiental dos ecossistemas aquáticos.

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